segunda-feira, 30 de maio de 2016

O estupro, o bullying e o blog de pai

AVISO: este post é um amontoado de reflexões sobre as quais nem mesmo eu tenho muita certeza do que pensar. Convido ao debate.

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Com o aquecimento do tema "cultura do estupro" e as reflexões sobre criar meninos, achei que precisava dizer algo.

Tenho visto muito cara bacana se ofender com o papo de que todo homem é um estuprador em potencial. Eu entendo os dois lados da moeda.

Assim como não posso negar que a homarada em geral é podre e que não é muito difícil ouvir de amigo coisas como

"Aquela balada é massa porque é tudo lotado. Vc sai esfregando a rôla nas minas da fila do banheiro. Tudo vadia." - Natal de 2015.

Também não é difícil entender a ofensa de quem leva a vida reprovando isso, que já quebrou paradigmas, desconstruiu machismo e de repente é carimbado de estuprador por todas as pessoas engajadas desse mundo.

O esfrega-rôla é indefensável, mas o ofendido eu não posso condenar porque do contrário eu deveria encerrar o blog. Me diz como eu vou endossar que todo homem é um estuprador em potencial se em quase 200 postagens de blog e facebook eu defendo que

homens também podem ser babás
homens também podem ser cuidadores de escolinha
homens devem ter fraldários decentes em seus WCs para trocarem seus meninos e meninas

Não dá. Não dá pra pensar num mundo de homens convivendo com intimidades de criança se considerar que todos são estupradores em potencial. E não percamos tempo querendo separar estuprador de pedófilo porque tecnicamente pode até ter diferença mas não deixaríamos nossas crianças expostas a quaisquer dessas figuras.

Eu acredito em homens evoluídos, capazes de enxergar que temos a responsabilidade da transição. Eu acredito na exceção virando regra pelo exemplo, didaticamente, e por isso eu não posso bancar esse rótulo. Entendo os ofendidos, entendo o rótulo e é tudo que vou dizer sobre isso.

Adiante...

A dificuldade de tomar uma posição coerente sobre o assunto me levou a pensar sobre o momento seguinte na criação do meu menino. Aquele momento em que depois dele ter aprendido em casa tudo sobre consentimento, respeito as pessoas e seus corpos, divisão de tarefas e responsabilidades etc etc etc,  ele vai ter que lidar com um mundo ainda em transição e que não foi educado da mesma forma.

Ele vai sofrer bullying, vai ser taxado de frouxo, de bobo, de lerdo, de mulherzinha que lava a louça e vai ter que desenvolver habilidades talvez bastante precoces pra se livrar de toda a chateação.

Temos que educar nossos meninos para serem firmes. Precisarão ter personalidade, talvez sejam o "bobo da turma" simplesmente por respeitarem as meninas. Temos que ser seus confidentes, ajudá-los com os grilos, fazê-los entender porque fazem tudo certo e sofrem, são excluídos, são mal vistos pela galerinha. Sabe aqueles filmes americanos que o menino bonzinho vive se lascando na mão dos outros porque não é popular? Acho que vai acontecer o mesmo com nossos guris que não "chegam chegando".
Parece um problema comum de todo pai de adolescente mas aqui o buraco é mais em baixo. Não são questões adolescentes, são grandes questões culturais, ideológicas, complexas refletindo no dia de gente nova demais.

No fim das contas, os meninos vão ser vítimas de... machismo!

A mudança que parte de nós está promovendo colocará um peso grande nos que serão adolescentes quando apenas meio-mundo ou menos já estiver mais evoluído. Parte do peso que as meninas sempre tiveram simplesmente por serem meninas e mais um parte desconhecida, consequencia da mudança.

Isso não me faz pensar em retroceder, não é um post em defesa de como as coisas são. Mas me faz pensar pra quais consequências o Pedro precisa estar preparado. Me faz buscar formas de ensinar como sobreviver num campo de excesso e desrespeito que eu terei feito de tudo pra mostrar que era inadmissível.

Pergunta que vai me tirar o sono: como prepará-lo pra respeitar tudo e ser desrespeitado em troca?

Não sei.

Atualização (31/03): um post muito interessante sobre esse assunto http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/09/internacional/1462812457_321536.html.

Obrigado, imãzinha :-)




quinta-feira, 12 de maio de 2016

O que as mulheres tem na cabeça

Voltei. Não sei até quando, mas voltei.
Acho que esse foi o sumiço mais longo de todos e hoje quero comentar sobre ele. Mais uma vez, eu não morri, não esqueci de vocês e não deixei o Pedro pra adoção. Não. Estamos todos aqui.

Ao atravessar uma sequência incrível de doenças do Pedro, turno de trabalho absurdo, frustração e uma idéia por dia na cabeça, mandei meu último emprego a merda e resolvi empreender.

Abri uma empresa e ontem lancei o bendito produto.

Na jornada de 8 meses de lá até cá, apanhei um bocado de todos os lados e refleti um tanto sobre... adivinha? Nossas mulheres. Não as de agora, mas as do passado.

Eu sou de exatas, sou da computação e apesar do primeiro programador de computadores da história ter sido na verdade uma programadora chamada Ada Lovelace, não temos muitas mulheres na história da ciência, dos Nobel, das grandes descobertas.

Até os últimos tempos eu meio que acreditava no papo do clubinho machista que não deixa ninguém entrar e não gosta das meninas se destacando, mas hoje eu vejo a coisa diferente.

A maior crueldade do empreendedorismo é que ele é solitário e egoísta. Por mais que vc tenha a mesma sorte que eu de ter quem segure todas as pontas pra vc ir adiante, inovar te cobra a posição número 1 na sua vida.

E o que isso tem a ver com as mulheres do passado?

Tem a ver que hoje eu sei que por mais que tentassem, por mais que se interessassem e quisessem quebrar paradigmas elas tinham que parar uma leitura pra panela não queimar, tinham que pensar na roupa suja antes de observar os astros, tinham ali 1 ou 2 horas de sossego no máximo antes de deixar tudo pronto pro cara chegar da roça imundo e faminto esperando ser cuidado.

Graças a minha Elaine, as únicas coisas que faço hoje são cozinhar e buscar o Pedro na escola. Ela aceitou ficar com todo o resto pra eu poder me dedicar ao que sempre sonhei.
Mesmo assim, empreender pede mais. O empreendedorismo te quer todo e se uma frigideira atravessa o caminho vc perdeu. Vc não focou, vc não soube que tinha um evento hoje, você não teve sua cabeça suficientemente ocupada de idéias conectadas porque o bife precisava ser fritado.

Isso acarreta um supermercado, uma louça, um pano no chão e lá se foram as horas que vc podia ter tido aquele [clic] abençoado.

Hoje acho que a falta de mulheres nas grandes descobertas não é por injustiça da academia, mas porque nossa história nunca as deixou livres o suficientes para pensarem e descobrirem coisas. Nunca as deixamos em paz pra eleger o numero um que quisessem em suas cabeças.

Me ocorre quantas grandes idéias nunca nasceram porque o chão sujo surrupiou a mente delas por tempo demais.

Desculpa mãe, vó, tia,...


Ada Lovelace

Obs: Se alguém tiver curiosidade sobre meu novo negócio, é basicamente uma rede endereços de entrega pra quem costuma comprar online mas não fica em casa pra receber encomendas.
Quem fica bastante tempo em casa pode se registrar como ponto de entrega e ser pago por pacote recebido. Para me apoiar nessa ou se informar melhor, curta nossa página e pergunte o que quiser.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Pai de primeira viagem: como usar seus novos superpoderes

Dia desses meu celular bipou e fui supreendido pela mensagem de um amigo com quem não trocava uma idéia há mais ou menos 1500 anos.

- Marim, meu filho nasce hoje a tarde. Só queria dar um toque pra vc saber que talvez eu te ligue de madrugada pra saber o que fazer.

Rapaiz... foi tão legal e inesperado ler isso! Veja só! As pessoas acham mesmo que dá pra perguntar algo pra mim sobre ser pai. Na jornada de ter filho a gente se questiona todo dia se está fazendo o serviço direito e receber algo assim dá uma bela lustrada na auto-confiança.

- Nasceu? Parabéns cara! E aí, como se sente?
- Com superpoderes. Todo o medo foi embora!

Assim começou a vida do pequeno Luca e seu super-herói. Fiquei me imaginando tomando uma cerveja com ele (que toca uma gaita blues que vcs precisavam ver!) e da viagem mental saiu o que eu diria a todo pai de novos poderes recém-descobertos:

Parece que vai ser difícil, aí parece fácil, aí é bom olhar de novo
A gente se prepara muito pra chegada do filho achando que a vida vai virar instantaneamente de pernas pro ar. Aí vem os primeiros dias, as coisas começam a se ajeitar e a gente pensa "É mais fácil do que eu pensava. No fim esse carinha só mama, caga e dorme. O trabalho é todo dela".
Sim, é verdade. É por isso que a coisa mais importante que vc faz como pai nas primeiras semanas é ser um bom... marido! Sua senhora vai estar cansada, confusa e na maioria das vezes se recuperando de uma cirurgia. Se vire pra tirar tudo do caminho dela. Aprenda a cozinhar, limpar e fazer todas as atividades "de mulher" que por acaso vc não tenha embarcado ainda. Seja uma enfermeira pra sua mulher se preciso. O que ela precisa agora é tranquilidade, apoio e tudo ao alcance da mão.

Compensa ficar acordando a noite?
No começo a cria quer mamar toda hora e isso não fica suspenso a noite. São muitas acordadas pra mamar. Esse negócio que o trabalho é todo da mãe pois ela que tem os peitos é conversa pra preguiçoso. Abandone a maldita zona de conforto, acorde, pegue seu bebê, ajude a mãe a ficar confortável. Se preciso vigie a mamada toda pois não é uma boa a mãe dormir amamentando sem ninguem ver. A criança pode cair ou ser sufocada, por exemplo.
Uma vez um cara me falou que tinha conversado com a mulher e não compensava o "custo/beneficio" de os dois acordarem de madrugada. Então acertaram que ele dormiria tranquilo pra estar inteiro no dia seguinte. Claro que não compensa, sua besta! O custo é dela e o benefício seu! Pra você não compensa mesmo.
Quase toda mulher vai dizer que não precisa vc acordar porque vc precisa descansar pra trabalhar no  dia seguinte bla bla bla. Ignore isso e ajude. Nenhuma mulher vai reclamar e vc vai começando a entender direito o seu novo papel no mundo. Seu trabalho vai ser prejudicado? Vai. Isso nos leva ao próximo item.

Comece a pensar em tirar o pé na carreira
Você é pai e fez uma escolha. Se não foi uma escolha, sinto muito, mas não é o pequeno quem vai pagar por isso. No começo não muda muita coisa a não ser o cansaço, mas comece a se acostumar com a idéia de não ser mais um fenômeno profissional. Mais pra frente quando o guri estiver um pouco maior e começar a dar mais trabalho, caso vc opte por ser um pai de verdade vc vai se ausentar de momentos importantes no emprego, vai querer trabalhar menos, vai armar uma guerra pra não fazer hora extra e isso é bom! Nenhum bom emprego compensa uma paternidade ausente e uma sobrecarga de mãe. Esse problema não é agora, mas agora é o tempo de refletir sobre isso pra quando a hora chegar. A modinha da vida simples não é exatamente uma modinha. É uma constatação de que passamos do ponto na produtividade e esquecemos que "legado" não é testamento rico, mas presença rica.

O palpite certo
Todo mundo quer ajudar. Todo mundo vai dar palpite. Pense sempre que a intenção é boa mas nunca aceite nada na hora. Pense depois sobre aquilo que te disseram. Quando precisar de uma opinião externa e for naturalmente procurar na internet, pelo menos procure os profissionais. Amigos e parentes as vezes sabem pra caramba e poderiam criar seu filho sem problemas, mas é preciso tomar suas proprias decisões. Na hora de pesquisar, lembre-se que quem sabe de saúde é médico, quem sabe de comida é nutricionista e quem sabe do seu filho é você. Considere o que te dizem mas lembre-se que gente bem intencionada e blogs como o meu não passam de palpiteiros que não vivem seu dia e nem conhecem suas guerras diárias.

Mijar em volta
Ainda sobre palpites: faça o que acha que tem que fazer sem se preocupar se as pessoas vão te achar um cretino. Se vc concluir que o certo é proibir visitas, faça isso. Se vc achar que tem que colocar um tubo de alcool para as pessoas se desinfetarem na entrada do quarto, faça isso. Se sonhar com o número 42 e deduzir que todo mundo tem que ler o Guia do Mochileiro das Galáxias antes de visitar seu filho, faça isso.
O "não precisa disso" é uma coisa que só você e sua mulher vão saber e esse limite tem que ser descoberto apenas entre vocês. Faça o que acha certo e avalie sempre se ainda faz sentido. Vocês dois são as únicas pessoas que conhecem todas as variáveis das decisões que tomam. Nenhum voto pode pesar mais.

Casamento
Resolva seus problemas. Converse muito com delicadeza e civilidade. Não é ficar sem trepar por um tempo que vai balançar seu casamento mas sim os conflitos de base familiar. O que vc acha certo e o que ela acha certo. O que funciona na minha familia e nao funciona na sua. Isso também vem mais pra frente. Mas se a casa não estiver em ordem agora, cai depois.
Fique atento quando sua parceira criticar, mesmo que de leve, uma atitude da sua família. Muitas vezes é uma forma até involuntária de dizer onde vc pisa na bola. Pós-filho isso aparece muito mais. Antena ligada pra corrigir o curso. É preciso 4 braços e duas cabeças muito fortes pra cultivar uma pessoinha.

Instinto
Confie nos seus instintos mas não seja idiota. Tenha um termômetro e um plano de saúde decente.

Hábitos
Vire uma pessoa melhor. Pare de comer porcaria, leia mais, brigue pra ter uma rotina sadia. Comece trabalhar sua cabeça pra só se importar com o que importa. O nascimento do seu filho significa muita coisa bonita, mas também significa que você começou a preparar o terreno pra bater as botas e deixar alguém melhor que você pisando a Terra no fim do século. Avalie o que compensa ocupar sua cabeça e que tipo de modelo vc vai ser. A familia tradicional está em baixa, mas seja você o que for o carinha vai te imitar. Trate de ser um modelo que preste.

Saúde, Luca!


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O almoço grátis e tudo que ouvi no fim do ano

"There's no free lunch". A frase em inglês que significa "não existe almoço grátis" é usada em um monte de lugares pra reforçar o papo de que por mais que algo pareça ser de graça, nunca é. Ou alguém paga ou você mesmo paga de outro jeito.

Fim de ano é sempre um festival de almoço grátis. Na casa da mãe, da vó, da tia, da sogra, do amigo-do-primo-do-vizinho-do-noca. Uma beleza. É sempre jóia viajar um pouco e rever gente.
Pedro é estrelo. Carinha concorrido quando a gente passeia por terras natais.

Coisa boa é que acaba rolando um contato que no resto do ano a gente não tem em nossa família de 3 morando no raio que o parta. Dá pra observar novidades aos montes e juntar um punhado de frases curiosas. Agrupei algumas campeãs de audiência:

"Nossa! Como o Pedro é tranquilo!"
"O Huguinho quando vem aqui toca o terror!"
"Também... a mãe do Huguinho é uma fraca. Não educa. O menino faz o que quer"
"O Pedro é uma bença! Vocês tiveram muita sorte!"
"Aiiii que dóóóó! Não coloca ele de castigo não tadinho!"

"Nossa! Como o Pedro come bem! Ele adora frutas e coisas saudáveis!"
"O Luizinho... precisa ver. Só come porcaria. Passa o dia no chips se deixar."
"Bom... se for ver na casa dele ninguém come bem. Não é atoa que são gordos e hipertensos"
"O Pedro é uma bença! Vocês tiveram muita sorte!"
"Mas nem um pedacinho?? Como assim ele não conhece chocolate? Que dóóó!"

"Nossa! Como o Pedro é obediente!"
"As crianças de hoje parecem uns marginais. Tamém... bando de pai e mãe bunda-mole da nisso."
"O Pedro é uma bença! Vocês tiveram muita sorte!"
"Aiii... você é muito duro com ele às vezes. Precisava isso?"

Um pirulito da Chiquinha pra quem achar a relação entre as frases nos grupos acima.
Isto não é um pedido de elogio, mas uma constatação sobre o trabalho invisível de criar alguém que preste. Acho que aquele julgamento automático filho ruim -> pai ruim devia ser igualmente automático quando a gente acerta.

E rapaiz... como é dificil acertar. Como dói cortar um momento de êxtase em diversão ilegal e transformá-lo em bico e lágrimas. A gente sofre quieto mais que o dono do bico. A recompensa também silenciosa vem quando o pequeno se aproxima com cuidado dos cristais da Tia Isolda:

- Pode papai? Pode?
- Não filho. Só ver.
- Tá bom papai.

Não existe bença grátis.