sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Do lar 1

De vez em quando numa roda de homens algum amigo reclama da atual ordem das coisas.

"Maldita hora que as mulheres resolveram sair de casa e arrumar empregos. Se eu pego quem teve a idéia..."

Antes que me arrastem pra delegacia mais próxima, adianto que também já vi mulheres falando a mesma coisa.

Desde que os primeiros sutiãs foram qureimados a vida ficou mais corrida, os salários baixaram, as famílias não almoçam mais juntas. Quase todo mundo quer sua carreira e sua grana pra comprar um carro bom pra suportar o congestionamento e uma casa boa aonde só se vai dormir.

A maioria de nós, homens ou mulheres, foi criado machista. Não porque tivemos pais ruins mas porque não tinha muito jeito de pensar diferente há 3 ou 4 décadas. Aprendemos que se ela não sabe nem lavar um copo, grande coisa não pode ser. Se ele não tem um emprego fixo há anos, é vadio encostado na mulher.

Ontem foi dia de lavar roupa, limpar o chão e cozinhar o almoço. Elaine tinha uma penca de pacientes de manhã e chegou correndo. Almoçamos juntos e levamos o guri ao médico pra examinar a retina pela última vez. Tudo certo, ele tem 100% dos olhos.

Na sala de espera, mães sozinhas apanhavam pra lidar com a criança, a bolsa e as guias pra assinar. Algumas estavam com os maridos mas não havia maridos sozinhos.

Fiquei olhando isso tudo e pensando no comentário de boteco que começou esse post. Acabei achando que é muito mais saudável que haja mesmo a figura "do lar" como era a maioria de nossas mães. Não dá pra ter empregados pra tudo, não dá pra todo mundo fazer jornada dupla, não dá pra um par de pais perder a primeira comida de mamão do filho. Não se você quiser viver o que realmente importa.

Começo a pensar se vida de qualidade não precisa necessariamente conter "do lar". Pensamento atrasado? Só se for o de quem entendeu que tem que ser a mulher.

Não tem que ser ela e não tem que ser pra sempre. Acho que se um dia o mundo caminhar pra uma uma mentalidade que não se resuma a encher-se de dinheiro, pais e mães se alternarão em períodos do lar e de profissão.  Por uns anos um traz dinheiro, outro fica em casa. Depois, se quiser, troca. Que tal?

Ah! Ontem lavei muitos copos. Hoje o Pedro comeu um inédito pedaço de mamão.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Welcome to the Hotel California...


Quando nos primeiros momentos do dia vc tira uma senha de atendimento e ela diz: "Bem-vindo: 666" é bom prestar atenção: vai ser um dia daqueles. O demônio não se acanhou e mandou logo seu checklist pro meu dia:

- Ser informado que a etapa da obra nao sera entregue na data combinada
- Brigar com futuro vizinho por causa da obra
- Chegar no cartorio, ser atendido e descobrir que tem que voltar em casa porque esqueceu a carteira
- Correr pra dar mamadeira porque ja sao 10:30 e depois descobrir que eram 09:30 e o relogio do carro tava errado
- Abrir o porta-luvas e descobrir o filme locado ha 4 dias (prazo de devolucao: 2 dias)
- Dar mamadeira e descobrir que acabou o estoque de leite

Essa última doeu. Depois de voltar ao trabalho, a Elaine nao consegue extrair com a bombinha tanto leite quanto o Pedro mama. Deu no óbvio: acabou o estoque. Infelizmente vamos ter que complementar com fórmula (esses NaN aí...), coisa que não queríamos. Ainda estamos pensando em recorrer ao banco de leite pra nao precisar entrar no artificial mas precisamos nos informar melhor e a logística é dificil. Campinas, pedagio,...

Nosso bezerro nos derrotou mas prefiro pensar que isso é um "problema bom". Não podemos esquecer que se está acontecendo é porque ele evoluiu daquela coisinha que lutava na UTI pra mamar 1ml até uma bomba de sucção ignorante que acaba com tudo que tem na geladeira.

Elaine não desiste. Continua lutando frme pra estocar leite materno entre um atendimento e outro. A agenda agora tem o paciente "ordenha" de tempo em tempo e ela ta firme na missão.
O Pedro, alheio a crise da merenda, ta aqui dormindo. Mais uma vez me acompanhou valente pelos cartorios, bancos e obras da vida. Quem para pra conversar diz que ele tem minha cara. Se é mesmo, não sei. A valentia eu sei que é da mãe.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pedro Poliglota

Entre aquelas promessas de fim de ano que a gente nunca cumpre, sempre tem uma que insiste em ficar la ano após ano. A minha é "este ano vou aprender a falar espanhol". Já comecei uns 3 cursos diferentes e sempre acaba o tempo, o dinheiro ou a paciência pro gu-gu-da-dá gramatical das escolas.

No começo do ano passei uma situação no trabalho dessas que dá preguiça de continuar vivendo: numa reunião por telefone precisávamos negociar com argentinos. Tudo pronto pro o início e... descobrimos que aqueles hermanos não falavam inglês. Atuavam apenas no âmbito local e por isso só falavam espanhol.
Deu-se então um samba do crioulo doido no telefone: nós falando português devagar aqui, eles falando espanhol devagar lá. Uns 60% de entendimento de parte a parte. "Ah, mas espanhol é fácil de entender". De fato. Um cardápio, um horário de voô, informação de como chegar... Mas vai falar de negócios!
Foi quando a promessa 2014 surgiu. DESTE ANO NÃO PASSA!

Me matriculei numa aula particular. Uma senhora que mora no meu bairro dá esse tipo de curso pago por hora. Sai meio caro mas vc não precisa passar por aquele jogral de adolescentes dizendo "a-no-so-tros-nos-gus-ta" como gostam as franquias de idioma com suas dezenas de livros e níveis.

Com a troca do meu turno de trabalho, troquei também as aulas de espanhol. Tudo redondo. Termina o espanhol começa o trabalho. Fácil. E lá veio de novo a maldição do Fácil. Minha doce Elaine me pergunta certa de que eu tinha um plano:

- Como vc vai fazer com o Pedro?

Pedro?... PEDRO?! Que Pedro???... PUTA MERDA! O PEDRO!!!!!! Tinha reorganizado meus horários e só esqueci do pequeno detalhe: o porquê de ter feito isso.

O primeiro pensamento foi que não ia dar. Lá se ia meu espanhol de novo. Só que quando nosso bacuri deu as caras a gente fez um pacto aqui em casa: a vida vai mudar mas não vai acabar. A paternidade não pode nos fazer desistir de nada sem tentar. Só vamos largar o que der errado, mas pra dar errado tem que fazer pelo menos uma vez.

clap, clap, clap. Muito bonito. Super motivador, sabidão. E o que vc vai fazer com o guri mesmo?
Levar comigo, oras! Minha mãe me levava pra assistir aulas de Propedêutica quando ela fazia magistério. Eu ainda não sei o que é Propedêutica, mas acho o nome legal até hoje. Por que não levar o Pedro no espanhol?

E esse dia foi hoje. Sabotei a mala de Tigre que a Elaine tanto gosta e enfiei os itens essenciais numa mochila de macho! Tigrinho o caramba, rapá! Aqui é PAI!

Um bolso pras coisas de nenê, outro pro material e tá Fác... UÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ
 UÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ
UÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ
UÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ

... e a hora do espanhol bateu com a hora de mamar. 10 minutos pra começar a aula e um moleque desesperado por seu rango. Iniciei o ritual relâmpago da mamadeira e a idéia da derrota não saia da cabeça

- Largue o espanhol
- Largue o espanhol
- Largue o espanhol
- Largue o espanhol

NÃO!

Preparei a mamadeira, tampei e enfiei na mochila. Carrinho em movimento, nenê calado. UFA.

- ¡Buenas Tardes! Esse é o Pedro. Ele veio participar.
- ¡Ah, que rico!
- Preciso dar mamadeira antes
- Hein?
- Mamadeira. Ele precisa comer.
- Ah sim, fique a vontade.

E como sempre, mamou e dormiu me deixando estudar tranquilo. O baixinho é fera.

Na volta início do turno da noite e outro episódio importante na vida dele: a introdução das frutas! Uma colher de chá com mamão amassado dançou na boca dele por uns 40 minutos. Tentou, tentou e  caiu de cansaço.

Interessante acompanhar como, pra ele, o básico da sobrevivência ainda é mais difícil que falar "Si seis sierras sierran
seis cigarros sosos
seiscientas seis sierras sierran
seiscientos seis cigarros sosos".

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

E começou a luta!

Elaine está de volta ao trabalho.
Como combinado, volto das férias trocando meu turno. Saio do horário comercial e abraço o período das 16h as 00h.
Em meio a tanta novidade e tanta coisa que podia dar errado, minha primeira inocência da nova fase foi locar um filme. O Hobbit.
Fazia tempo que não tinha filme aqui e a gente não se ligou do que significava uma sessão de 3 horas no domingo com um nenê do lado. Assistimos metade (que entre pauses e plays durou umas 4 horas) e fomos dormir. "Amanhã a gente assiste". Quando o amanhã chegou lembramos que não existe mais um horário comum onde os 2 estão de folga a não ser... O ALMOÇO!

Sim, Hobbit com feijão.

O filme não dá descanso. A galerinha principal ali está sempre na eminência de ser queimado, esmagado, furado ou decapitado e sempre consegue improvisar com alguma coisa que salva a todos por um triz. Um batalhão de orcs persegue anões sobre precipícios malucos e os bichos usam qualquer caco de coisa pra se livrar. Tudo é sempre urgente. Desesperadamente urgente. O Pedro chorava e a gente balançava o carrinho sem desgrudar da tela.
Fim do filme, Elaine pro trabalho e o "do lar" aqui seguindo com a estréia da nova função.

Jovem dormindo, vida fácil...

... até ele acordar berrando como se estivesse sob tortura.

A coisa mais interessante num choro de criança é que vc sabe que ela não está morrendo mas quer alguma coisa. Isso significa que vc não fica desesperado ou com medo. Curiosamente, a sensação mais forte é a de culpa. Culpa devidamente acompanhada da impressão que alguém vai chamar a polícia pra botar ordem naquilo.
100 ml de leite resolveriam, mas eu tinha certeza que ia ser preso tamanho era o escândalo durante aquele ritual de
descongela
esteriliza
testa
resfria

Me senti um anão em fuga mas no fim meu Hobbit mamou, sossegou e dormiu.